Em Niterói, trabalhadores informais sofrem para realizar suas atividades

NITERÓI – A taxa de desemprego no Brasil ficou em 8% no trimestre que vai de abril a junho deste ano, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Mesmo assim, milhões de brasileiros continuam desempregados e precisam recorrer ao mercado informal de empregos para sustentar suas famílias. Em Niterói, essa situação não é diferente: principalmente na região central da cidade, é possível observar com facilidade a grande quantidade de vendedores ambulantes. A prefeitura alega que esses trabalhadores devem se regularizar, mas os autônomos dizem encontrar dificuldades nesse processo. 

O mercado formal de emprego sempre teve suas restrições e nem todos os cargos podem ser exercidos por qualquer pessoa, ainda mais em um contexto de desemprego. A mesma pesquisa PNAD, realizada pelo IBGE, revelou que no trimestre até fevereiro de 2023 mais 38 milhões de trabalhadores estavam atuando na informalidade, ou seja, não estavam inseridos no mercado formal de empregos. 

Existem diversas questões que dão conta de responder o motivo pelo qual nem todas as pessoas têm a oportunidade de se inserir no mercado formal, a primeira delas é a grande demanda por empregos legalizados, a segunda é que nem todos têm as mesma oportunidades, em um país que teve uma construção de cidadania diferente para cada parte da sociedade, e a terceira é que cada pessoa possui suas próprias características, físicas ou não, que podem ajudar a ingressar no mercado de trabalho. 

Esse é o caso de Vagner Alcantara, 40 anos, que vende doces no último sinal da rua Miguel de Frias, em Icaraí, há mais de 18 anos. Ele conta que pelo fato de ser paraplégico, sempre encontrou muita dificuldade no mercado formal de emprego. Por sua deficiência não ter cura, ele tem medo de, mesmo que ele seja contratado de maneira formal, possa ser demitido rapidamente. 

Como sou deficiente, já consegui me aposentar. Se eu conseguisse um emprego formal acabaria perdendo a minha aposentadoria e uma vez que eu viesse a ser demitido não conseguiria recorrer para ter a minha aposentadoria de volta. O jeito que encontrei de complementar a renda foi vender balas no sinal “, conta ele. 

O vendedor narra ainda que juntando o dinheiro da sua aposentadoria com o que recebe no sinal e mais o salário de outros integrantes da família, ainda é difícil fechar as contas do mês. Mesmo vendendo balas no sinal há mais de 18 anos, Vagner ainda não conseguiu realizar o sonho de ter a casa própria e afirma que não culpa as pessoas que não abaixam os vidros dos carros para dar atenção ao seu trabalho. 

Hoje em dia a criminalidade está muito forte. Já aconteceu de ter pessoas fingindo que são cadeirantes só para assaltar os motoristas. Além disso, muitas pessoas estão com o vidro fechado porque têm o ar ligado, então eu acho muito razoável. Como tem mais de 18 anos que eu trabalho aqui, já bastante gente e muitas delas estão sempre tentando me ajudar”, finaliza o comerciante. 

Vagner acredita que nem todas as pessoas que não abrem os vidros dos seus carros estão fazendo isso por preconceito. (Foto: Gabriel Ribeiro/Esquina Jornal)

A abordagem dos vendedores ambulantes, muitas vezes, acaba incomodando os pedestres e motoristas, que preferem não abaixar o vidro dos seus carros ou dar atenção ao comerciante. Para a estudante universitária, Anna Bárbara Garin, de 20 anos, esses trabalhadores são pessoas que realmente precisam daquele dinheiro, então, ela não se sente incomodada com as frequentes abordagens e busca ajudar, sempre que possível. 

Normalmente eu estou só com o meu Riocard, então não consigo ajudar sempre. O ponto de ônibus é o lugar onde mais sou abordada. Às vezes vejo vendedores no sinal também. Essas situações sempre me deixam triste, porque muitas pessoas não dão nem atenção a esses trabalhadores, mas normalmente são pessoas honestas que tentam sobreviver na medida do possível”, comenta a estudante. 

Vendedores e a Guarda Municipal
Davi, que preferiu não revelar seu sobrenome, tem 45 anos e é vendedor de produtos eletrônicos no centro de Niterói, conta que em mais de 27 anos de trabalho nas ruas nunca se sentiu tão oprimido como se sente nos dias atuais. O ambulante afirma que com o passar dos anos as pessoas passaram a dar menos atenção a ele e a outros colegas que também vendem produtos de maneira informal. 

Estou aqui esse tempo todo porque preciso sustentar a minha família, é triste chegar às 8h da manhã para trabalhar, passar o dia todo e não conseguir dinheiro suficiente para levar para a casa”, revela o ambulante. 

Além de se sentir invisibilizado pelas pessoas que frequentam o centro da cidade, Davi afirma que também se sente oprimido pelos guardas municipais, que ficam circulando pelas regiões com mais ambulantes a fim de dispersá-los. Ele conta que é preciso ficar o tempo todo em alerta para se movimentar, se não os oficiais da Guarda Municipal podem até apreender a sua mercadoria, já que ele e outros profissionais não possuem cadastro formal na prefeitura. 

Nós não conseguimos sustentar as nossas famílias porque não conseguimos trabalhar direito. A Guarda Municipal fica cercando a gente e precisamos ficar andando o dia todo, de um lado para o outro da cidade. Não poder ficar parado em um único lugar acaba dificultando nossas vendas. O que a Guarda faz é abuso de poder, eu já tive mercadoria apreendida. Estamos aqui trabalhando, não tem ninguém roubando nada”, concluiu Davi. 

Durante a entrevista com o vendedor informal Davi, nossa reportagem presenciou o momento em que um Guarda Municipal, sozinho, tentou afastar os ambulantes do centro da cidade. O guarda não tentou apreender a mercadoria, mas chegou perto dos ambulantes fazendo com que os mesmos tivessem que tirar as suas mercadorias da calçada e levá-las para longe dele. Os ambulantes presentes no local confirmaram que essa prática acontece diversas vezes no dia e que, para eles, parece que a Guarda Municipal só quer atrapalhar as suas vendas.  

Nota da assessoria
Em nota, a assessoria de imprensa da Guarda Municipal de Niterói afirmou que seus agentes atuam diariamente para fiscalizar as ruas da cidade com o objetivo de preservar o espaço público e manter o direito de ir e vir dos pedestres. Disse ainda que a cidade realiza cadastramentos periódicos de ambulantes, que são convocados através de editais para fazerem a regularização da sua situação de trabalho. 

Os vendedores informais devem apresentar CPF; carteira de identidade; título de eleitor; comprovante de votação ou certidão de quitação eleitoral junto ao Tribunal Regional Eleitoral; comprovante de residência  além da certidão de antecedentes criminais, emitida pela Polícia Federal ou Instituto Félix Pacheco; e cópia da inscrição como Microempreendedor Individual ou como segurado da previdência social na categoria de autônomo”, diz parte da nota. 

A nota reforça ainda que as licenças são concedidas e emitidas obedecendo os critérios do código de posturas e manutenção de espaços livres em calçada. Em Niterói, todos os bairros contam com barracas padronizadas. Os ambulantes são alocados em espaços fixos com áreas e tamanho das barracas também obedecendo o padrão, assim como a divisão de mercadorias. A corporação realiza um trabalho educativo para a não permanência de ambulantes não cadastrados nas ruas. Em casos de reincidência, a mercadoria pode ser recolhida de acordo com a Lei e o responsável pode recuperar mediante apresentação de nota fiscal, no depósito público municipal.

Os vendedores ambulantes do centro da cidade afirmam que nunca, em seus mais de 27 anos de atividade, nenhum agente público ofereceu que os mesmos passassem por um processo de regularização do seu trabalho. E reforçam que apenas algumas pessoas, que vendem produtos mais caros e valorizados, conseguem espaços nas barracas padronizadas.

Vale ressaltar que o último edital lançado, pela prefeitura de Niterói, para cadastramento de vendedores ambulantes ficou disponível entres os dias 19 e 29 de julho de 2023 mas era referente exclusivamente aos trabalhadores do bairro Maria Paula, na região de Pendotiba.

Foto de Capa: Gabriel Ribeiro/Esquina Jornal

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Por Gabriel Ribeiro (repórter) (Jornal Online)

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